quinta-feira, fevereiro 14, 2008

Educação em Discussão

>>Esta semana, dois artigos discutem dois mitos sempre presentes quando se fala em educação: o de que o uso de computadores melhora o desempenho escolar e o de que os professores melhoram seu desempenho ganhando melhor. Veja abaixo as duas matérias:



O uso intenso de PCs piora o desempenho escolar

SÃO PAULO - O uso intenso de PCs piora o desempenho escolar, sugerem dados de uma pesquisa da Unicamp.

“O resultado mais importante… surgiu quando os estudantes disseram sempre usar o computador. Entre esses, não importou a classe social ou disciplina, o desempenho foi sempre pior do que entre os que nunca usaram”, disse Jacques Wainer, do Instituto de Computação da Unicamp, à Agência Fapesp (http://www.agencia.fapesp.br), que divulgou o estudo.

Entre os alunos da 8a série, o quadro foi semelhante. Wainer e Tom Dwyer, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, coordenaram a pesquisa.

Os resultados mostraram, por exemplo, que na 4a série os estudantes de classe alta que raramente usaram o computador para as tarefas tiveram, em média, 15 pontos a menos do que os que nunca o fizeram, tanto em português quanto em matemática.

Já entre os alunos mais pobres que usaram computador, mesmo que raramente, houve uma piora mais acentuada nas notas em relação aos estudantes que nunca usaram PCs. Esse grupo apresentou uma diferença média de 25 pontos em português e 15 pontos em matemática.

A pesquisa utilizou dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), exame aplicado em todos os Estados a alunos de 4a e 8a séries do ensino fundamental e da 3a série do ensino médio.

OTIMISMO NO PLANALTO

O governo federal tem promovido esforços para melhorar a inclusão digital e tenta por uma segunda vez realizar uma licitação para compra de 150 mil notebooks educacionais de baixo custo para distribuição entre alunos do ensino fundamental de 300 escolas do país. A primeira tentativa não atendeu às exigências de preço do governo.

O assessor da Presidência da República José Luiz Aquino, que trabalha no projeto Um Computador por Aluno (UCA), afirmou em entrevista por telefone que há diferenças entre o uso de computadores em laboratórios de informática, em que as máquinas são compartilhadas por vários alunos, e o projeto do governo em que os estudantes poderiam levar para casa os equipamentos no futuro.

“Queremos testar nas 300 escolas ainda este ano para sabermos os resultados (no desempenho dos alunos), mas piora eu tenho certeza que não vai acontecer. Nosso modelo é diferente”, disse Aquino, que preferiu não comentar imediatamente os resultados da pesquisa. A Secretaria de Educação à Distância do Ministério da Educação também não quis comentar o estudo, informando que ainda não tivera tempo suficiente para examiná-lo.

Apesar de o trabalho detectar uma relação entre o uso do computador e piora nas notas, os autores não conseguem identificar, sem mais levantamentos, os motivos para o quadro nem porque o efeito da inclusão digital entre alunos mais pobres ser mais grave.

“Nossos resultados devem inspirar profundas interrogações entre todos aqueles que apóiam o uso de computadores no sistema escolar e nos lares e telecentros da nação, em nome da luta contra uma suposta ´desigualdade digital”´, afirma a pesquisa “Desvendendo Mitos: Os Computadores e o Desempenho no Sistema Escolar”, disponível em http://www.scielo.br.

“Como o computador é bom para nós, professores, por exemplo, tendemos a achar que ele é útil para todos. Mas ele não é uma solução mágica para a educação”, disse Wainer à agência.
Reuters



Salário de professor
“A experiência dos estados mais bem-sucedidos mostra que consertar a educação requer muito mais do que jogar dinheiro no sistema”
Claudio de Moura Castro

Segundo afirmativa corrente, os professores da educação básica ganham pouco, por isso a educação é ruim. Como tenho a infeliz sina de acreditar na ciência, para mim isso é assunto de contar e medir. Ganhar pouco ou muito é uma questão relativa (como se viu pelas discussões sobre salários de deputados e juízes). Portanto, só tem sentido a comparação com categorias equivalentes. Com Gustavo Ioschpe, fiz uma revisão de duas pesquisas meticulosas, cotejando o salário dos professores com o de outros grupos profissionais na América Latina. Os resultados colidem com os mitos. Em confronto com pessoas de educação equivalente, os professores não ganham menos. Calculando-se os salários-hora, aumenta a superioridade salarial dos mestres, inclusive dos brasileiros. Ou seja, não se pode dizer que os professores ganham mal, considerando a remuneração de profissionais com igual escolaridade. Há significativas variações, de estado para estado, sendo alguns professores realmente mal pagos. Mas, como a educação é ruim na média, faz sentido comparar salários de professores, também na média. Outro estudo interessante nos é dado por uma pesquisa recente de Samuel Pessoa, na qual o autor confronta os salários do sistema privado com os do sistema público. Em contraste com as conversas de botequim, em média os salários do setor privado são ligeiramente inferiores, apesar da ampla superioridade no desempenho dos seus alunos. Mais um abalo sísmico nos castelos da imaginação. Outra maneira de ver o assunto é perguntar se a salários maiores corresponde um ensino de qualidade superior. Filosofar não resolve. Faz mais sentido calcular os coeficientes de correlação. No caso, esses números medem a probabilidade de que salários mais altos dos professores ocorram nos sistemas estaduais com melhor educação – medida por um índice de desenvolvimento da educação básica (Ideb) mais elevado. Foram tomadas várias definições de salário: do ensino médio, do fundamental, salário-hora, com e sem gratificação e, também, o orçamento estadual para a educação (per capita). Os resultados são sempre os mesmos, quaisquer que sejam as definições. Não há nenhuma associação entre salário alto e educação boa. Os estados com desempenho superior no ensino tanto podem pagar bem como mal. Por exemplo, Alagoas e Amazonas pagam muito e têm desempenho fraco. Minas e Santa Catarina pagam pouco e estão no topo da lista do Ideb. Só há uma conclusão possível da análise de tais números: a má qualidade do nosso ensino não pode ser explicada pelos salários dos professores. Não se trata de metafísica nem de imponderáveis. Quem discordar dessa afirmativa que trate de demonstrar que os números estão errados. Mas, remexendo outros números, podemos encontrar algumas pistas intrigantes. Pesquisa recente indicou que 80% dos professores da rede pública estavam insatisfeitos e com sua auto-estima chamuscada. Já em uma pesquisa com escolas privadas de todo o Brasil, verifiquei que 80% dos professores estavam satisfeitos. Ou seja, com níveis salariais parecidos, as escolas privadas – não apenas as de elite – atraem melhores professores e os mantêm contentes. Não há dados confiáveis, mas parece que os professores estão também contentes nas públicas bem lideradas.
Se essas idéias fazem sentido, os sistemas públicos ganhariam em qualidade se conseguissem criar um ambiente mais positivo e estimulante para os seus professores. Como a escola tem a cara do diretor, a sua escolha irresponsável arruína o ensino. Onde isso ocorre, os professores se sentem desvalorizados e manipulados pela burocracia. Os mais graves pepinos estão no clientelismo do governo local. A politicagem passa na frente das preocupações com a qualidade. A carreira do magistério é leniente com malandros e incompetentes. É a “incompetência ignorada, a competência não reconhecida”. No fim das contas, a experiência dos estados mais bem-sucedidos mostra que consertar a educação requer muito mais do que jogar dinheiro no sistema.

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